Da tristeza para a felicidade
“Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei” (Mateus 11:28).
Ao se apartarem os judeus do Senhor, e deixarem de tornar a justiça de Cristo sua pela fé, o sábado perdeu para eles sua significação. Nos dias de Cristo, tão pervertido se tornara o sábado, que sua observância refletia o caráter de homens egoístas e arbitrários, em lugar de o fazer ao caráter do amorável Pai celeste. Virtualmente os rabis representavam a Deus como dando leis que os homens não podiam obedecer. Levavam o povo a olhar a Deus como tirano, e a pensar que a observância do sábado, segundo Ele a exigia, tornava os homens duros de coração e cruéis. Competia a Cristo a obra de esclarecer essas mal-entendidas concepções. Embora os rabis O seguissem com impiedosa hostilidade, Ele nem sequer parecia concordar com o que requeriam, mas ia avante, guardando o sábado segundo a lei divina.
Certo sábado, ao voltarem Jesus e os discípulos do local do culto, passaram por uma seara madura. Jesus continuara Seu trabalho até tarde e, ao passarem pelos campos, os discípulos começaram a apanhar espigas e a comer os grãos depois de esfregá-los nas mãos. Em qualquer outro dia, esse ato não teria despertado nenhum comentário, pois uma pessoa que passasse por uma seara, ou pomar, ou vinha, tinha liberdade de colher o que lhe apetecesse comer. Deuteronômio 23:24 e 25. Mas, fazer isso no sábado, era considerado um ato de profanação. Não somente era o apanhar a espiga uma espécie de ceifa, como o esfregá-la nas mãos uma espécie de debulha. Assim, na opinião dos rabis, havia dupla ofensa.
Por causa do homem – Quando acusado de transgredir o sábado, em Betesda, Jesus Se defendeu, afirmando Sua filiação de Deus e declarando que trabalhava em harmonia com o Pai. Agora, que eram acusados Seus discípulos, cita aos acusadores exemplos do Antigo Testamento, atos praticados no sábado pelos que estavam ao serviço de Deus.
“Nunca lestes”, disse Ele, “o que fez Davi quando teve fome, ele e os que com ele estavam? Como entrou na casa de Deus, e tomou os pães da proposição, … os quais não é lícito comer senão só aos sacerdotes?” (Lucas 6:3 e 4). “E disse-lhes: O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Marcos 2:27 e 28). “Não tendes lido na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa? Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo. O Filho do homem até do sábado é Senhor” (Mateus 12:5 e 6).
Os discípulos, fazendo a obra de Cristo, estavam empenhados no serviço de Deus, e o que era necessário à realização dessa obra, era direito fazer no dia de sábado.
Cristo queria ensinar, aos discípulos e aos inimigos, que o serviço de Deus está acima de tudo. O objetivo da obra de Deus, neste mundo, é a redenção do homem; portanto, tudo quanto é necessário que se faça no sábado no cumprimento dessa obra, está em harmonia com a lei do sábado. Jesus coroou então Seu argumento, declarando-Se “Senhor do sábado” – Alguém que estava acima de qualquer dúvida, acima de toda lei. Esse eterno Juiz absolve de culpa os discípulos, apelando para os próprios estatutos de cuja violação são acusados.
Jesus não deixou passar a questão com uma simples repreensão aos inimigos. Declarou que, em sua cegueira, eles se haviam enganado quanto ao propósito do sábado. Disse: “Se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes” (Mateus 12:7).
Misericórdia – Em outro sábado, ao entrar Jesus na sinagoga, viu aí um homem cuja mão era mirrada. Os fariseus O observavam, ansiosos de ver o que faria. Bem sabia o Salvador que, curando no sábado, seria considerado transgressor, mas não hesitou em derribar o muro das exigências tradicionais que atravancavam o sábado. Jesus pediu ao enfermo que se adiantasse, perguntando então: “É lícito no sábado fazer bem, ou fazer mal? salvar a vida, ou matar?” Era uma regra entre os judeus que deixar de fazer o bem, havendo oportunidade para isso, era fazer mal; negligenciar salvar a vida, era matar. Assim Jesus os atacou com suas próprias armas. E eles se calaram. “E, olhando para eles em redor com indignação, e triste por causa da dureza de seu coração, disse ao homem: Estende a tua mão. E ele a estendeu, e foi-lhe restituída a sua mão, sã como a outra” (Marcos 3:4 e 5).
Na cura da mão ressequida, Jesus condenou o costume dos judeus, e colocou o quarto mandamento no lugar que Deus lhe destinara. “É… lícito fazer bem nos sábados”, declarou Ele. Pondo à margem as absurdas restrições dos judeus, Cristo honrou o sábado, ao passo que os que dEle se queixavam estavam desonrando o santo dia de Deus.
Os que afirmam que Cristo aboliu a lei, ensinam que Ele violou o sábado e justificou os discípulos em assim fazer. Colocam-se assim na mesma atitude que tomaram os astutos judeus. Contradizem dessa maneira o testemunho do próprio Cristo, que declarou: “Tenho guardado os mandamentos de Meu Pai, e permaneço no Seu amor” (João 15:10). Nem o Salvador nem Seus seguidores violaram a lei do sábado. Cristo era um vivo representante da lei. Nenhuma transgressão de seus santos preceitos foi encontrada em Sua vida.
“Assim o Filho do homem até do sábado é Senhor.” Estas palavras estão repletas de instrução e conforto. Por haver o sábado sido feito para o homem, é o dia do Senhor. Pertence a Cristo. Pois “todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (João 1:3). Uma vez que Ele fez todas as coisas, fez também o sábado. Este foi por Ele posto à parte como lembrança da criação. Mostra-O como Criador tanto como Santificador. … Portanto, o sábado é um sinal do poder de Cristo para nos fazer santos. E é dado a todos quantos Cristo santifica. Como sinal de Seu poder santificador, o sábado é dado a todos quantos, por meio de Cristo, se tornam parte do Israel de Deus.
Deleite – A todos quantos recebem o sábado como sinal do poder criador e redentor de Cristo, ele será um deleite. Vendo nele Cristo, nEle se deleitam. O sábado lhes aponta as obras da criação, como testemunho de Seu grande poder em redimir. Ao passo que evoca a perdida paz edênica, fala da paz restaurada por meio do Salvador. E tudo na natureza repete Seu convite: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei” (Mat. 11:28).1
Cristo concluiu a obra que Lhe foi confiada. Glorificou a Deus na Terra. Manifestou o nome do Pai. Reuniu os que haviam de continuar Sua obra entre os homens. 2
O imaculado Filho de Deus pendia da cruz, a carne lacerada pelos açoites; aquelas mãos tantas vezes estendidas para abençoar, pregadas ao lenho; aqueles pés tão incansáveis em serviço de amor, cravados no madeiro; a régia cabeça ferida pela coroa de espinhos; aqueles trêmulos lábios entreabertos para deixar escapar um grito de dor. E tudo quanto sofreu – as gotas de sangue a Lhe correr da fronte, das mãos e dos pés, a agonia que Lhe atormentou o corpo, e a indizível angústia que Lhe encheu a alma ao ocultar-se dEle a face do Pai – tudo fala a cada filho da família humana, declarando: É por ti que o Filho de Deus consente em carregar esse fardo de culpa; por ti Ele destrói o domínio da morte, e abre as portas do Paraíso. Aquele que impôs calma às ondas revoltas, e caminhou por sobre as espumejantes vagas, que fez tremerem os demônios e fugir a doença, que abriu os olhos cegos e chamou os mortos à vida – ofereceu-Se a Si mesmo na cruz em sacrifício, e tudo isso por amor de ti. Ele, o que leva sobre Si os pecados, sofre a ira da justiça divina, e torna-Se mesmo pecado por amor de ti. 3
Cristo não entregou Sua vida antes que realizasse a obra que viera fazer, e ao exalar o espírito, exclamou: “Está consumado” (João 19:30). Ganhou a batalha. 4
Delicada e reverentemente, removeram eles do madeiro, com as próprias mãos, o corpo de Jesus. Corriam-lhes lágrimas de compaixão, ao contemplarem Seu corpo lacerado.
José possuía um sepulcro novo, talhado numa rocha. Aí, os três discípulos [Pedro, Tiago e João] compuseram-Lhe os mutilados membros, e cruzaram-Lhe as mãos feridas sobre o inanimado peito. As mulheres galiléias foram ver se tudo quanto se podia fazer havia sido feito pelo corpo sem vida do amado Mestre. Viram então que fora rolada a pesada pedra para a entrada do sepulcro, e o Salvador deixado a repousar. As mulheres foram as últimas ao pé da cruz, e as últimas também a deixar o sepulcro. Enquanto baixavam as sombras da noite, Maria Madalena e as outras Marias demoravam-se ainda em torno do lugar em que descansava o Senhor, derramando lágrimas de dor pela sorte dAquele a quem amavam. “E, voltando elas,… no sábado repousaram, conforme o mandamento” (Lucas 23:56).5
Jesus descansou, afinal. Findara o longo dia de vergonha e tortura. Ao introduzirem os derradeiros raios do sol poente o dia do sábado, o Filho de Deus estava em repouso, no sepulcro de José. Concluída Sua obra, as mãos cruzadas em paz, descansava durante as sagradas horas do sábado.
No princípio, o Pai e o Filho repousaram no sábado após Sua obra de criação. Agora Jesus descansava da obra de redenção; e se bem que houvesse dor entre os que O amavam na Terra, reinou contudo alegria no Céu. Gloriosa era aos olhos dos seres celestiais a perspectiva do futuro. Uma criação restaurada, a raça redimida que, havendo vencido o pecado, nunca mais poderia cair – eis o resultado visto por Deus e os anjos, da obra consumada por Cristo.
Para sempre – Com esta cena se acha para sempre ligado o dia em que Jesus descansou. Pois Sua “obra é perfeita” (Deuteronômio 32:4); e “tudo quanto Deus faz durará eternamente” (Eclesiastes 3:14). Quando se der a “restauração de todas as coisas, as quais Deus falou por boca dos Seus santos profetas, desde o princípio do mundo” (Atos 3:21), o sábado da criação, o dia em que Jesus esteve em repouso no sepulcro de José, será ainda um dia de descanso e regozijo. O Céu e a Terra se unirão em louvor, quando, “desde um sábado até ao outro” (Isaías 66:23), as nações dos salvos se inclinarem em jubiloso culto a Deus e o Cordeiro. 6
Lentamente passara a noite do primeiro dia da semana. Havia soado a hora mais escura, exatamente antes do raiar da aurora. Cristo continuava prisioneiro em Seu estreito sepulcro. A grande pedra estava em seu lugar; intato, o selo romano; a guarda, de sentinela.
“E eis que houvera um grande terremoto, porque um anjo do Senhor, descendo do Céu, chegou” (Mateus 28:2).
A terra treme à sua aproximação, fogem as hostes das trevas, e enquanto ele rola a pedra, dir-se-ia que o Céu baixara à Terra. Os soldados o vêem removendo a pedra como se fora um seixo, e ouvem-no exclamar: Filho de Deus, ressurge! Teu Pai Te chama. Vêem Jesus sair do sepulcro, e ouvem-nO proclamar sobre o túmulo aberto: “Eu sou a ressurreição e a vida.” 7
As mulheres que estiveram ao pé da cruz de Cristo esperaram, atentas, que passassem as horas do sábado. No primeiro dia da semana, muito cedo, fizeram o caminho para o sepulcro, levando consigo preciosas especiarias para ungirem o corpo do Salvador.
Ignorantes do que se passava mesmo então, aproximaram-se do horto, dizendo: “Quem nos revolverá a pedra da porta do sepulcro?” (Mateus 16:3). Sabiam não lhes ser possível afastá-la, todavia continuaram para diante. E eis que os céus se iluminaram de repente com uma glória que não provinha do sol nascente. A terra tremeu. Elas viram que a pedra fora removida. O sepulcro estava vazio.
Havia uma luz em volta do sepulcro, mas o corpo de Jesus não se achava ali. Enquanto andavam em torno, viram de repente que não se achavam sós. Um jovem de vestes brilhantes estava sentado junto ao túmulo. Era o anjo que rolara a pedra.
Voltaram-se para fugir, mas as palavras do anjo lhes detiveram os passos. “Não tenhais medo”, disse ele; “pois eu sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, porque já ressuscitou, como havia dito. Vinde, vede o lugar em que o Senhor jazia. Ide pois, imediatamente, e dizei aos Seus discípulos que já ressuscitou dos mortos” (Mateus 28:5-7).8
Não olhemos para o sepulcro vazio. Não lamentemos como os que se acham sem esperança e desamparados. Jesus vive, e porque Ele vive, nós também viveremos. [Mat. 28, Mar. 16, Luc. 24, João 20.] 9
Referências:
1. O Desejado de Todas as Nações, págs. 283-289.
2. Ibidem, pág. 680.
3. Ibidem, págs. 755 e 756.
4. Ibidem, pág. 758.
5. Ibidem, pág. 774.
6. Ibidem, págs. 769 e 770.
7. Ibidem, págs. 779 e 780.
8. Ibidem, págs. 788 e 789.
9. Ibidem, pág. 794.